sexta-feira, 21 de março de 2008

Neófitos


Deixai minhas crias voarem sobre as carnes!
Acaso não sabes que estão famintos?
E que importa se morreu a donzela?
Ainda há de servir! Fita agora o cadáver!
Em destroços, verdade.
E que importa?
Meus filhotes saciam-se! Matam a fome que lhes corrói as entranhas!
E que importa o quê somos? Fomos amaldiçoados, afinal...
Raros e incompreendidos malditos!
Fomos forjados sob um pacto... de sangue.
E que fome! Que sede! A necessidade quase que doentia de destruir diariamente tais sensações. Malditos, eternos malditos! A condição da morte, sem estar; A imprenssão da vida, sem estar. Acompanhados e perseguidos pelo infinito.
Malditos, sempre longe das luzes que expõem nossa palidez. Palidez cadavérica. Sempre escondidos da luz solar. Proteger-se e fugir.
Matar, sugar a palpitação da vida.
Já não basta tanto sofrimento?
Então deixai-nos! Precisamos do corpo desta virgem morta para servi-nos de alimento.
Deixai minha famíia sob as trevas, ou tu serás o próximo!

sábado, 15 de março de 2008

Café com hortelã

A colisão dos mundos
(Para Maria Helena, a hipocondríaca mais cativante que já vi; Confidente e sabida de meu afeto)

Era noite, a rua ainda não estava vazia e ouviam-se latidos sem casa. Mesmo com o som alto, conseguiu ouvir a campainha. Levantou-se e foi logo abrir o portãozinho, pois já sabia quem era, mas mesmo assim espiou pelo 'olho-mágico'(só por precaução).
-Que bom que você veio!Alguma novidade entre as noites de insônia e as manhãs de pílulas?-
-Encontrei um analgésico mais eficaz. E você? Tem criado algo novo? Ou já se rendeu ao tédio?
-Resolvi me render ao tédio... Ando um pouco cansada e decidi dar-me férias de mim mesma. Mas olha só! -E acabou por apontar para a pequena horta de ervas.
A noite estava escura e a lâmpada pouco iluminava, porém o verde das plantas era tão intenso que sobressaia na escuridão.
Chegaram mais perto, uma ajoelhada e a outra sentada em um banquinho de tijolos, até sentirem o aroma do hortelã.
-Eu tive uma idéia...
-Desista! Odeio chá!
-Você vai gostar...
-Não, eu não vou gostar! Meu negócio é café!
-Por isso mesmo você vai gostar! Agora você vai me ajudar a côlher um pouco de hortelã aqui...
-Melhor você côlher. Não levo jeito pra isso e da sua horta você entende. -Em um gesto simples, apoiou os braços nos joelhos entreabertos.
-Vou pegar de você aqui, tá? -Sussurrou aos raminhos.
-Essa é boa... -Olhou para um lado e quase riu -Eu não quero nem pensar que eu já entendi a asneira que você vai fazer...
-Cheira esses raminhos de hortelã... e esse de manjericão.
-Melhor não usar manjericão... Eu acho que vai ficar estranho. Muito estranho.
-O manjericão vai dar o diferencial.
-Diferencial... Até que o cheiro não é ruim,viu?!...ATCHIM!
-Já vi alergia à cremes, à chocolate e até à frutas. Mas você é a primeira, e talvez única, a ter alergia à ervas! Impressionante!
-Pare de...ATCHIM! Pare de me fazer de chacota! Essa hortelã...ATCHIM! O cheiro é forte e eu não estou acostumada!
-Claro! Óbvio e evidente! Usas tanto remédio, que, praticamente, perdestes teu sistema imunológico!
-Você parece uma mãe atazanando a filha bêbada.
-E hipocondríaca! Bêbada e hipocondríada!
-Você também gosta de beber...
-Não para me anestesiar! Mas que importa?
-...Se você gritasse dentro do meu estômago, ecoaria.
-Então vamos para a cozinha.
Levantaram-se juntas, uma foi para a cozinha e a outra ficou na sala para aumentar o volume ao máximo enquanto o nariz escorria depois de tanto espirrar.
A música era rápida e crua, quase podre. Elas gostavam de ouvir aquele timbre inacabado, quase podre.
A figura excêntrica que voltava da cozinha resolveu baixar um pouco o volume. Estava impossível manter um diálogo àquela altura.
Na cozinha, uma sentou-se e a outra foi ver a água.
-Já ferveu, não?
-Parece que sim... Eu vou fazer uma infusão.
-Fale a minha língua.
-Em resumo: Vou apagar o fogo, colocar os vegetais dentro e tampar para que não escape o vapor. É o melhor processo para se conservar as propriedades da planta, sabia?
-Não. Quem entende de chá, aqui, é você.
-Agradeço aos chineses... -Suspirou -Mudando de assunto... Eu gostei de ver você espirrar... -Olhou-a como se fosse cúmplice.
-Agora meu nariz escorre e a culpa é sua. -Disse fria, porém irônica.
-Gostei porque te mostra humana. Você não é tão fria quanto parece ser.
-Traga o café.
-Aqui o café e o açúcar.
-E a colher?
-Aqui. Como eu ia dizendo, você tem uma subjetividade objetivista. É...Eu vou pegar o chá.
-Um dia eu ainda me canso de suas idéias...
-Cansa nada! -Debochava enquanto servia o chá nos copos contendo café e açúcar. O vapor era muito agradável.
-Se eu vomitar por causa disso, a culpa também vai ser sua. -Era um tom quase ameaçador; apesar de, no fundo, não haver seriedade ou promessas naquelas palavras ditas.
-Acho que não ficou bom. Nunca mais faça essa porcaria.
-Mas também não ficou de todo ruim!
-Talvez eu tenha me enganado... A primeira sensação foi o amargor das ervas que depois fundiu-se com o sabor do café. Preciso deixar o orgulho de lado e te dar os parabéns.
-Por quê?... -Disse fingindo não saber o porquê.
-Você encontrou a única maneira de me fazer beber chá.
-Eu apenas uni o útil ao agradável.
-Qual o lado útil?
-Você vir me visitar mais vezes. Um ótimo pretexto, não?
Encararam-se por um certo tempo. Podiam até se comunicar com olhares, mas preferiam as palavras.
-Vamos tomar ar fresco?
-Morreremos de calor se ficarmos aqui! -E levantou-se exausta.
Ambas sentaram no banquinho e contemplaram o céu escuro no silêncio. De repente a música continuou, se juntando com a música dos vizinhos e os cri-cris dos grilos. Mas, ali, só uma barata era testemunha.
A outra acendeu um cigarro.
-Como vai sua filha?
-Bem. Esta semana ela fêz um boneco com palitos de picolé e me dêu para que eu colocasse na estante, ao lado da nossa foto.
-Ela está na casa do pai?
-Não... Vai passar dois dias dormindo na casa dos pais daquele imbecil. -Ao lembrar do ex-marido uma espécie de rancor lhe subiu à cabeça -E sua criança? Onde está?
-Minha florzinha? Na casa de uns amigos meus...
-Você confia neles?
-É um casal gay.
-Compreendo...
-Da próxima vez, não fume perto de mim. -A outra olhou-a com um pequeno interrogação na testa.
-Você gostaria que eu me masturbasse do seu lado?
-Foda-se. -Respondeu apáticamente e levantou-se -Preciso ir agora.
-Quando vamos nos ver?
-Quando você fizer café com chá.
-Ou quando nossas meninas se encontrarem. -Completou.
Sorriam discretamente ao invés de se despedirem.
A anfitriã abriu o portãozinho para que sua visitante pudesse ir embora.
Não gostavam de despedidas.

sábado, 8 de março de 2008

A Criação do Mundo

Passavam olhares espantados;
Olhos perseguidores,palavras ríspidas e inquisitoriais.
Palavras duras de repulsa que mais tarde geraram ódio.
Onde antes só havia solidão seria ocupado. - Com ódio.
E também havia o vazio que criou o desgosto,porém vinha a melancolia e o tédio para espalharem-se na nova Terra.
Criou-se o orgulho,inimigo da redenção.
Nasceram então os gêmeos: alegria e tristeza.
Foi descoberto o afeto e o amor.
A euforia veio sempre passageira para depois afundar-se nos brancos lençóis salgados.
E foi assim que o ódio transformou-se em desprezo.

sábado, 1 de março de 2008

Me...


me diga a verdade imutável dessa terra
-lhe respondo com minha sagrada ignorância;
me fale dos pontos de vista dessa vida;
-posso mentir,destruir a esperança
me convença do que todos merecem,
me conte histórias,
me segure nos braços que aquecem,
me fale como é bom o desejo,
me mostre coisas que eu nunca vi,
me traga as novas que eu sempre quis
-mas veja também o que eu vejo.